segunda-feira, 28 de março de 2011

Lembranças de Guri

Na marcenaria, ainda menino, fazendo aula de artes manuais do colégio de Irmãos Maristas, tive a idéia de construir uns carrinhos, só que eu desde menino nunca pensei só em mim, fiz logo uma frota; lembro como se fosse hoje, uma frota de caminhonetes (furgão), todas pintadas iguais, dei uma a cada parceirinho meu. Fomos trazer uma carga de abacaxi (que era simplesmente sementinhas de eucalípto) num grande mato desta cidade do interior, onde morávamos, mato esse, longe do núcleo habitacional, mais ou menos 2 horas a pé, claro, puxando nossos veículos, que em nossas cabeças faziam parte de uma grande empresa. A viagem era uma aventura como se fosse para o norte do país, de fato muito longe. Carregávamos nossos furgões e voltávamos à tarde, cansados da viagem, mas valia à pena, pois o objetivo empresarial-comercial havia sido cumprido e nossa empresa de compra e transporte ia de vento em popa.

Cara! Me vem a mente essas histórias acontecidas de verdade na minha infância e sinto que me marcaram muito para o resto da vida, talvez contribuindo para moldar até nossas personalidades, minha e de meus amigos. Quando ainda nos vemos, não deixamos de relembrar estes momentos mágicos de criança.

Graças à Deus tivemos infância! Tivemos várias histórias sadias, legais, que poderemos contar aos nossos filhos e netos.

Fazíamos campeonatos de futebol, nossas próprias camisetas, com logomarca e tudo, o nosso time oficial (dente de leite) chamava-se ACC (Associação Coringa Clube), acho que era por causa do famoso na época Brim Coringa que era usado nas calças Jeans e era xodó da gurizada. Fazíamos torneio de Futebol de botão, no qual o campeão ganhava "a taça" de pau, feita por nós mesmos, pois não tínhamos grana pra comprar uma de verdade e nem sabíamos onde.

Tínhamos também um circo (é isso mesmo um circo de verdade!), onde nos apresentávamos em um galpão de minha casa e cobrávamos ingresso, lotando as arquibancadas e faturando uns cruzeiros (lembro das notas de 2 cruzeiros amarelinhos/laranja) que nos deixavam muito felizes. Apresentávamos mágicas, equilibrismo, palhaços, trapézio e outras mega-atrações, (hahaha) que faziam o público delirar. Uma mágica que mostrava o poder da mente que eu mesmo apresentava, pois eu era o mágico, o trapezista e o diretor geral, (claro, o galpão era meu) e que deixava o público boquiaberto, era uma cadeira de balanço que se mexia com a minha ordem e a minha energia. O segredo: No seu pé havia um fio de nylon bem fininho amarrado, onde embaixo do galpão, por uma frestinha, o meu assessor puxava bem devagarinho e soltava, fazendo ela balançar. Só que este meu assessor um belo dia se estressou e contou a toda a vizinhança todos os segredos do circo, e nós todos brigamos. Quebramos até o carro de som da empresa circense (carro de rolimã de anunciar a sessão, com auto-falante que era uma lata bem grande). Foi uma pena, o nosso circo depois de bastante sucesso veio à falência.

Mas não foi nada, fizemos "as pazes" depois de alguns dias e começamos a jogar pião no inverno, era muito legal. Nos encontrávamos nas manhãs geladas com os bolsos cheios de piões e fazíamos um raião onde casávamos cada um um pião e...pau! Quem tirasse para fora com uma "bicada" o pião do outro, era o dono. Cara! Tinha dias que só de sacola pra levar a "piãozada" pra casa. Havia também um cara "mais grande" de outra zona. Ele se chegava devagarinho, fazia "rapa" nos nossos piões e ia embora, até que um dia demos um "pau" nele e ele nunca mais fez isso, passava bem longe de nós.

Também fazíamos coisas inadequadas, as quais não indico a ninguém daquela idade. Íamos ao rio que atravessava a cidade, muito fundo, tomar banho. Atravessávamos nadando, com a língua de fora pois, tinha uns 50 metros de largura mais ou menos. Quase morremos várias vezes, assim como vimos outros morrerem, ainda bem que não foi da nossa turma. Algumas vezes conseguimos um barco furado (tirávamos água de latinha pra não afundar) e íamos pegar milho verde de uma lavoura do colégio das "Irmãs Carmelitas" que havia na beira do rio, um enorme colégio onde estudavam só meninas, (aliás os "Irmãos Maristas e as Irmãs Carmelitas se davam muito bem e os colégios eram perto) pois nós éramos "na nossa inocência" piratas do rio. Me lembro uma vez, atacando a lavoura, com chuva, barco furado, rio cheio, tomamos um flagrante e tivemos que sair navegando rápido pois um senhor gritava "Parem! Parem! Seus ladrões!". Vejam só! Nos chamou de ladrões, aliás, se existe uma coisa que nunca fomos é ladrões. Fazíamos isso só para nos divertir e comer milho verde assadinho porque meia dúzia de espigas não faria falta para um império que era aquele colégio, com uma lavoura que descia até o rio, numa extensão muito grande.

Também jogávamos no time da vila, o "Esporte Clube Boa Viagem", no dente de leite ou mirins. Fazíamos excursões e disputamos um campeonato oficial da cidade, narrado pela rádio local, onde o time que jogou conosco forjou os documentos e botou uns guris grandes pra jogar contra nós, foi uma goleada memorável a que levamos, 11 a 0, no fim o locutor nem gritava mais "gooool", ele dizia "mais um", mas saímos de cabeça erguida. Sabíamos que os caras eram "falsificadores de xerox de documentos", mas tudo bem.

Fazíamos nossos carrinhos de lomba, caíamos várias vezes, joelhos gastos, mas íamos de novo, sempre! Lembro que meu irmão passou entre as rodas de um caminhão que atravessou a encruzilhada da lomba onde descíamos. Sempre ficava um guri sinalizando na encruzilhada para que descêssemos, mas às vezes faltava alguém nesse posto e a trajetória se tornava perigosa. Era uma aventura.

Cara! eu estou contando estas histórias porque me deu vontade de passar adiante e mostrar que naquela época de ditadura militar havia infância verdadeira. Fazíamos nossos próprios brinquedos, já que o país era pobre, não havia garrafa pet, nem embalagens práticas de arroz, açúcar e tudo que se vê hoje. Automóveis, só importados e só quem tinha muita grana para andar com seu Rabo de peixe, Studybaker, Austin of England, Mercury, Citroën e até Romiseta que era de 3 rodas e a porta abria na frente. Ah! Tinha aqueles Ford que eram pura lata grossa, que mais pareciam umas banheiras de tão grande, com paralamas enormes. Era assim o Brasil.

Eu me lembro quando da Revolução, que uns amigos velhos, ouvindo no rádio e helicópteros baixando na praça da minha cidade, prendendo gente importante, diziam para me assustar que era o fim do mundo. Todo mundo ia morrer, ia dar uma guerra mundial e todos morreriam. Hoje dou risada, mas na época eu me apavorei, eu era um garotinho e não entendia nada.

Bom, sei que a minha história é longa, pois tenho papo pra um livro, mas por hoje é só. 


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